Ela começa da vontade de cometer um
delito. Pode ser um pequeno ou grande pecado. Mas vem de algo que a priori foge
à ética. Tem como principal traço da personalidade a sedução. Ela é na sua origem gostosa demais para se
negar. E a sua vida passa a não ter motivo para existência sem aquele pequeno
crime.
Quem não precisa da obscuridade? Há
luz se não houver trevas? Questionamentos ignorantes e incorretos. Mas a
pergunta é feita sem pretensão de resposta, porque a decisão já foi tomada
antes dos questionamentos. Daí, deste ponto, não tem mais volta.
E o prazer da iniquidade é tão fugaz.
Pudéssemos pensar nisso antes de receber a pena eterna e solitária da culpa. A quela sensação de satisfação é efêmera. E, em seu lugar, brotam sentimentos
como: vergonha, tristeza, menosprezo e a impureza. A alma corrupta é vil. Tem
uma cor cinza amarronzada que denota a sujeira.
Por mais que julgue superado, a
culpa tem como cerne a hostilidade. Ela é perene. E basta um momento de
fraqueza para ela te consumir. Tão pequena ela nos torna. Tão fraca. Tão má.
Faz-nos refletir, você ser medíocre, não tem direito a perdão. Você falhou. Foi
consumida por sua ganância soberba. Por que pensaria haver saída, ou margem de
negociação pelo que fez?
Respire fundo. Feche seus olhos. O
mundo está sempre se transformando. Inclusive você. Olhe a sua volta como o
tempo corre. Como uma série de processos físicos, biológicos e químicos permite
que a terra mude o tempo inteiro. Não seja esnobe pensando que o mesmo não
acontece com você.
Portanto, como diante de tantas
transformações esse sentimento perene não pode se transformar em outra coisa? E
é aí chegamos ao cerne da vida. O que fazer com as imposições nos dada? Não penso em justificar o pecado. Mas certamente é impossível
contornar determinados caminhos. A perfeição certamente não é a característica inata
ao ser humano. Como reflexo divino, nos foi dada a capacidade apenas de
percebê-la e estimá-la. E, por isso, a culpa. Ela é vil sim. Mas é também a
lente que nos permite ver melhor a cagada
em que nos encontrávamos.
E, diante desse quadro de
transformação, em que o prazer resulta na dor e na vergonha, o que fazer? Bom,
há somente duas escolhas. Você pode se aproveitar da transformação que o
universo oferece para recrudescer os sentimentos que já vêm alimentando. Mandar
o mundo se ferrar. Quem não comete erros? Justificar suas falhas na
inevitabilidade. Acomodar-se na dor e causar mais ainda. Porque, por mais que
você tenha mandado o mundo se ferrar, isso não quer dizer que não se importe. Como
Freud dizia, é a culpa que nos distingue de seres incapacitados psicologicamente,
como o perverso (psicopata) e o psicótico (louco). Assim, você se importa. Mas
julga que a única forma de instrumentalizar suas escolhas é se violentando mais
e mais, até que não possa mais respirar, morrendo sufocada na poça de desprezo
por si mesmo.
Mas falei que existiam duas
escolhas. A segunda parece poética, evangelizada demais, mesmo inocente ou
covarde. Usando de toda capacidade de transformação que o universo lhe oferece,
e daquele reflexo de Deus de apreciar a perfeição, encontrar o perdão e mais
que isso uma ação de retorno. A ação
de retorno é a capacidade de criar um efeito contrário ao criado a fim de transformar
o efeito em resultado positivo. É impossível você anular uma ação, mas a reação
certamente você pode adequar sua intensidade e direção.
Assim, se a culpa é um sentimento
que suga tanta energia. Mesmo que essa energia seja negativa, por que não
usá-la como força motriz de um comportamento ético, visto pelo senso comum como
respeitável? A culpa ela vem da lei moral constituída dentro de você. Ela ganha
essência de culpa, pois existe o parâmetro social e individual da sua natureza
incorreta. Dessa forma, vejo como única possibilidade de satisfação a criação
de um retorno bem-visto socialmente – portanto, ético.
Portanto, veja, há duas escolhas.
Como a vida é essa narrativa surpreendente, cheia de desenlaces, não espere que
você não seja agente da escolha que fizer. Pois aqui não há subterfúgio da
isenção. Você pode ser o culpado pela diferença ou indiferença.
Nietzsche dizia que “o homem
torna-se reativo quando vive limitado apenas à conservação da sua existência, o
que faz multiplicar o seu sofrimento e a necessidade de viver cada vez mais
submetido”. Portanto, não há nada que anule uma ação iniciada,
principalmente uma permeada de culpa. Mas certamente você pode potencializar a
força da reação. Assim, criar novos valores e distanciar-se da culpa, sentimento/energia
que consome para dar vazão a um sentimento de sustentabilidade.