domingo, 28 de junho de 2015

Pensata: Historicidade da culpa


Ela começa da vontade de cometer um delito. Pode ser um pequeno ou grande pecado. Mas vem de algo que a priori foge à ética. Tem como principal traço da personalidade a sedução.  Ela é na sua origem gostosa demais para se negar. E a sua vida passa a não ter motivo para existência sem aquele pequeno crime.
Quem não precisa da obscuridade? Há luz se não houver trevas? Questionamentos ignorantes e incorretos. Mas a pergunta é feita sem pretensão de resposta, porque a decisão já foi tomada antes dos questionamentos. Daí, deste ponto, não tem mais volta.
E o prazer da iniquidade é tão fugaz. Pudéssemos pensar nisso antes de receber a pena eterna e solitária da culpa. Aquela sensação de satisfação é efêmera. E, em seu lugar, brotam sentimentos como: vergonha, tristeza, menosprezo e a impureza. A alma corrupta é vil. Tem uma cor cinza amarronzada que denota a sujeira.
Por mais que julgue superado, a culpa tem como cerne a hostilidade. Ela é perene. E basta um momento de fraqueza para ela te consumir. Tão pequena ela nos torna. Tão fraca. Tão má. Faz-nos refletir, você ser medíocre, não tem direito a perdão. Você falhou. Foi consumida por sua ganância soberba. Por que pensaria haver saída, ou margem de negociação pelo que fez?
Respire fundo. Feche seus olhos. O mundo está sempre se transformando. Inclusive você. Olhe a sua volta como o tempo corre. Como uma série de processos físicos, biológicos e químicos permite que a terra mude o tempo inteiro. Não seja esnobe pensando que o mesmo não acontece com você.
Portanto, como diante de tantas transformações esse sentimento perene não pode se transformar em outra coisa? E é aí chegamos ao cerne da vida. O que fazer com as imposições nos dada? Não penso em justificar o pecado. Mas certamente é impossível contornar determinados caminhos. A perfeição certamente não é a característica inata ao ser humano. Como reflexo divino, nos foi dada a capacidade apenas de percebê-la e estimá-la. E, por isso, a culpa. Ela é vil sim. Mas é também a lente que nos permite ver melhor a cagada em que nos encontrávamos.
E, diante desse quadro de transformação, em que o prazer resulta na dor e na vergonha, o que fazer? Bom, há somente duas escolhas. Você pode se aproveitar da transformação que o universo oferece para recrudescer os sentimentos que já vêm alimentando. Mandar o mundo se ferrar. Quem não comete erros? Justificar suas falhas na inevitabilidade. Acomodar-se na dor e causar mais ainda. Porque, por mais que você tenha mandado o mundo se ferrar, isso não quer dizer que não se importe. Como Freud dizia, é a culpa que nos distingue de seres incapacitados psicologicamente, como o perverso (psicopata) e o psicótico (louco). Assim, você se importa. Mas julga que a única forma de instrumentalizar suas escolhas é se violentando mais e mais, até que não possa mais respirar, morrendo sufocada na poça de desprezo por si mesmo.
Mas falei que existiam duas escolhas. A segunda parece poética, evangelizada demais, mesmo inocente ou covarde. Usando de toda capacidade de transformação que o universo lhe oferece, e daquele reflexo de Deus de apreciar a perfeição, encontrar o perdão e mais que isso uma ação de retorno. A ação de retorno é a capacidade de criar um efeito contrário ao criado a fim de transformar o efeito em resultado positivo. É impossível você anular uma ação, mas a reação certamente você pode adequar sua intensidade e direção.
Assim, se a culpa é um sentimento que suga tanta energia. Mesmo que essa energia seja negativa, por que não usá-la como força motriz de um comportamento ético, visto pelo senso comum como respeitável? A culpa ela vem da lei moral constituída dentro de você. Ela ganha essência de culpa, pois existe o parâmetro social e individual da sua natureza incorreta. Dessa forma, vejo como única possibilidade de satisfação a criação de um retorno bem-visto socialmente – portanto, ético.
Portanto, veja, há duas escolhas. Como a vida é essa narrativa surpreendente, cheia de desenlaces, não espere que você não seja agente da escolha que fizer. Pois aqui não há subterfúgio da isenção. Você pode ser o culpado pela diferença ou indiferença.

Nietzsche dizia que “o homem torna-se reativo quando vive limitado apenas à conservação da sua existência, o que faz multiplicar o seu sofrimento e a necessidade de viver cada vez mais submetido”. Portanto, não há nada que anule uma ação iniciada, principalmente uma permeada de culpa. Mas certamente você pode potencializar a força da reação. Assim, criar novos valores e distanciar-se da culpa, sentimento/energia que consome para dar vazão a um sentimento de sustentabilidade.

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